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Mostrando postagens de agosto, 2017

ILUMINURAS.

III Nos bosques tem um pássaro, você pára e cora com seu coro. Tem um relógio que não toca nunca. Tem uma brecha no gelo com um ninho de bichos brancos. Tem uma catedral que sobe e um lago que desce. Tem uma pequena carruagem abandonada na moita, ou que passa correndo, decorada. Tem uma trupe em trajes de comédia, espiada pela trilha da floresta. E então, quando você tem fome e sede, tem sempre alguém que te manda passear. IV Eu sou o santo, rezando no terraço, — como os animais pacíficos pastando junto ao mar da Palestina. Eu sou o sábio na poltrona sombria. Os galhos e a chuva se jogam contra a vidraça da biblioteca. Eu sou o andarilho da grande estrada entre os bosque anões; o rumor das represas cobre meus passos. Me demoro vendo a triste fuligem dourada do pôr-do-sol. Eu bem podia ser a criança abandonada no cais de partida pro alto mar, o caipira rodando as alamedas, sua cabeça roçando o céu. Os caminhos são áspero

XENIA.

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Meu tio se matou três dias antes d o meu nasc imento . Deu um tiro na cabeça com a arma velha e enferrujada que meu pai tinha comprado quando era moço. Minha mãe só ficava chorando, mas segurou firme. Me segurou firme por três dias. Então nasci. Uma vez meu pai me perguntou por que eu tinha saído pr a e sse mundo, disse que era um lugar ruim de viver. Eu perguntei então porque ele tinha me colocado dentro da minha mãe. Meus pais não se falavam muito. Meu pai quando bebia, me batia quando chegava em casa. Na escola, a maior parte dos garotos não gostavam de mim, muitos queriam me bater nos intervalos e no fim das aulas. Quase todos os dias eu tinha que enfrentar um cara que era maior que eu. Quase todos os dias eu tinha que provar que eu era mais forte do que os outros. Nem sempre eu vencia, mas batia neles também. Foi assim que começaram a me respeitar. Ou simplesmente começaram a esquecer de mim. C omecei a roubar nos supermercados, colocava coisas pequenas dentro

POEMAS DE PAULO HENRIQUES BRITTO.

III Nem tudo que tentei perdi. Restou a intenção de ser alguém ou algo que não se pode ser, mas só ter sido; restou a tentação do nada, nunca tão forte que vencesse esse meu medo que é a coisa mais honesta que há em mim. Sobrou também o hábito vadio de me virar do avesso e esmiuçar as emoções como quem espreme espinhas. Mas nada disso dói; a dor é um ácido que ao mesmo tempo que corrói consola, que arde mas perfuma. Isso que eu sinto é uma coceira que vem lá de dentro e me destrói sem dignidade alguma. VII A consistência exata dessa insônia, a forma certa desse medo, o gesto seco que rejeita essa necessidade abjeta de ser quem não se é — a aceitação completa da vontade insuportável de querer o que se quer, a sede obscena de tragar o copo junto com a bebida — coisas tão simples, que só pedem a paciência sábia dos que aprenderam a se aturar, a santa complacência de quem lambe as próprias chagas e aprecia o gosto — não por requinte de nojo, mas só por nunca h

OS MESMOS DIAS.

A noite me espia vazia Falando que logo já será dia. O sono que me vem agora lento como maré, Não é a onda pesada que tentará me derrubar pela manhã. Assim, sigo tentando destruir as horas do relógio Sigo tentando destruir o medo no peito Sigo tentando destruir este vazio de todos os dias, Enquanto à noite me espia silenciosamente vazia Me dizendo que logo, logo já será um novo dia. 29/07/2008 23:46