ENTRE ZERO E NADA.

Quando saiu do avião, sentiu que sua vida não mudaria. O tempo todo da viagem refletia sobre tudo que tinha acontecido e em como dali por diante tudo seria diferente. Mas ao colocar os pés em outra cidade, sabia que não existia recomeço, somente continuações.

Caminhou procurando um táxi sem saber aonde ir. Nos passos que deixava para trás; um marido, dois filhos e uma vida que considerava de falhas. Demorou muito tempo para ter tomado à decisão de sair, de mudar, de não ser mais o que vinha sendo sua vida inteira. Mas nos passos que seguiam, sabia e pensava que as coisas não seriam diferentes, tudo, aonde fosse, aonde estivesse, com quem estivesse ou completamente sozinha, tudo, seria sempre igual. A vida para algumas pessoas neste mundo não muda, as continuações são sempre repetições. Pensou e acenou pedindo um táxi.

Um velho senhor de olhos escuros e chapéu na cabeça veio pegar sua mala. Pra onde, senhora? Foi o que perguntou já dentro do automóvel. Ela ficou em silêncio por um tempo. O motorista olhava, depois de um tempo soltou um sorriso de quem não está se sentindo à vontade com a situação. Só então ela falou; Para um hotel... que esteja próximo... E que seja silencioso. Sua frase saiu entrecortada, os espaços de ar que ficavam entre as palavras mantendo silêncio pareciam facas invisíveis sendo jogadas na escuridão. O homem sorriu de novo já olhando para a estrada, sabendo que aquela mulher não sabia aonde queria ir. Alguns nascem perdidos, não importa quantas estradas sigam, sempre estarão entre o zero e nada.

A mulher olhava a cidade que não conhecia ainda e que não viria a conhecer. Em 20 minutos chegaram a um hotel. O motorista saiu do carro para abrir o porta-malas e pegar sua bagagem. Ela perguntou quanto era, depois pegou o dinheiro para pagar, não esperou o troco e entrou no hotel. No balcão pediu um quarto que fosse silencioso. O homem que a atendeu olhou para sua única mala quando falou que não teria quem levasse ao quarto. Não faz mal. A mulher falou. Pegou a chave e foi caminhando pro elevador. Seu quarto ficava no quinto andar. A cada andar ela sentia uma pontada no peito, sabendo que ali seria sua última morada. Quando chegou ao quarto, cansada, sabia que não faria mais esta jornada.

Saiu de casa roubando dinheiro do marido, deixando um menino entrando na adolescência que não conversava mais com ela, e uma menina que brincava com bonecas. Saiu de casa sem saber aonde iria. Iria onde o dinheiro desce para comprar uma passagem e pagar um lugar para morar, mas na descida do avião, sabia que aquele lugar nunca seria seu, como nenhum outro tinha sido. Que ali ela não conheceria outro homem por quem se apaixonaria. Sabia que não encontraria amigos que lhe agradasse. O mundo é oco, vazio, assim como este quarto de hotel em que vim parar. Pensou dentro do aposento.

Pedir um lugar sem barulho era essencial depois de anos vivendo com duas crianças gritando e correndo fazendo de tudo um objeto de percussão. E um marido que vivia aos extremos, quando não passava dias inteiros dentro de silêncio, passava dias gritando os problemas e a luta pelo dinheiro que sempre era pouco. Agora, ele deve estar gritando que está com pouco dinheiro, já que lhe roubei tudo que pude. Ela pensou, um quase sorriso.

“Tudo que pude”, deu para uma passagem de avião para uma cidade não tão distante da que morava, e o que sobrou daria pra umas duas semanas de estadia em um hotel modesto. Ela sabia o que vinha depois, e por isso sabia o que tinha que fazer agora. Não demoraria pro tempo passar. Se perguntou como, naquele quarto de hotel. Sair de casa para morrer em um quarto de hotel? Logo lembrou-se dos remédios que tomava para dormir, passados por uma médica quando ela disse que não conseguia dormir com tanto barulho e trabalho em seus dias.

Caminhou até o banheiro, se olhou no espelho, lavou as mãos. Voltou, caminhou até a janela, tocou o vidro grosso que não deixava som algum passar para dentro do quarto. De longe, viu subir um avião no aeroporto de onde tinha vindo. A caixa com os comprimidos estava na mala. Diante dela uma cidade inteira se movimentava e ela não escutava um som. Os carros se moviam no silêncio, as pessoas caminhavam nas calçadas em silêncio, os aviões aterrissavam e decolavam em silêncio. Um mundo dividido pelo vidro e silêncio, uma caixa, uma televisão sem som. E ali, ela sentiu uma forte vibração tomando sua cabeça e depois seu corpo. É como nascer. Ela pensou. E foi-se deitar na cama procurando sua mala.

12/04/2010 16:43

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SUGAR.