ALGUM AMOR.
“Sua
mulher está agora trepando com outro cara” ou “Seu cara está
trepando agora com outra senhora!” – porém quando ele disse isso
os resíduos eram da deixa.
Jorge
Cardoso
-
Ó máh, tu tem que me escutá, é o que tô dizenu, ela tá te
traino com uns cara por aí.
Issac
é meu amigo de infância, crescemos no mesmo bairro e estudamos
quase que nas mesmas escolas.
-
Eu num sei se tu tá sabeno, mas o fato é que a cidade inteira já
tá sabeno e comentano.
Vivo
com essa mulher há dois meses. Me mudei pra sua casa. A conheço pouco.
Comparado com o tempo que conheço Issac, é dois por cento de uma
relação. Estamos morando juntos porque perdi o emprego na mesma
época em que começamos a sair.
[-
Porque você quer continuar saindo comigo? Quero dizer, estou sem
emprego, estou sem dinheiro. Quero dizer, não tenho nada pra te dar
neste momento. Somente quem sabe só alguma companhia na hora em que
você quiser e eu puder.
-
Tá bom pra mim.]
Eu
perguntei certa vez e ela falou. Então não discuti mais. Seria o
que seria. A vida não é pra ser um grande mistério pra todos nós.
E continuamos por mais um tempo, nos encontrando e fazendo sexo no
carro dela nos estacionamentos por aí, e em ruas escuras. Passou mais
um tempo e falei pra ela que não tinha mais casa.
[-
Olha, não sei se vamos dar certo. Eu tô sem um puto.
O dono da casa me procurou por antes de ontem e disse que eu tenho
uma semana pra sair, que se eu não pago, existe outro que quer morar
ali e tem dinheiro pra pagar. Tô sem grana, num tenho dinheiro e
tenho que sair.
-
Eu não vou te dar dinheiro pra você pagar sua casa, mas se quiser, pode ficar comigo por um tempo.]
Foi
o que ela disse, então faz dois meses que estou morando aqui. Ela
sai de manhã pro trabalho e eu fico em casa. Assisto um pouco de
televisão, escuto música em seu aparelho de som, leio algum livro
de espionagem que ela tem na coleção, bebo, fumo, saio para
procurar emprego, mas ainda não apareceu nada. Ela chega no começo
da noite, às vezes traz o jantar, às vezes eu mesmo preparo, e nos
sentamos à mesa e comemos juntos e conversamos e rimos de coisas de
nossas vidas e do cotidiano. Depois ficamos no sofá, sentados um
perto do outro, abrasados, assistindo programas na televisão, rindo
de quem quer ser feito de besta. Vamos pro quarto, fazemos amor,
dormimos.
[- Eu ainda não encontrei emprego, mas estou tentando.
-
Tudo bem, não tem problema. Você pode ficar aqui enquanto.]
Ela
fala.
-Ó
cara, eu sou seu irmão, tá ligado? E
você tem que sabê que ela tá te traino. Ela
te botou na casa dela, mas ela tá é por aí dando pra outros cara,
te fazeno de corno. Todo mundo na cidade já
sabe, só tu que não.
Eu
e Issac somos amigos de infância, somos como irmãos mesmo, ele
sempre tenta me proteger, o que é algo realmente idiota.
-Eu
sei Issac, eu sei que ela tá dando pra
outros caras por aí, mas eu não tô pedindo nada pra
ela, como ela não tá pedindo nada pra mim, nós só estamos juntos,
dividindo algo. E não ligo porra nenhuma pro que o
povo dessa cidade de merda pensa. Eu
gosto tão pouco dessa cidade quanto ela deve gostar de mim.
12/01/2010
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