28/07/16
Meu
amigo manda uma mensagem e resolvo fazer uma visita. Saio do trabalho
mais cedo do que deveria, pego um ônibus, encontro um lugar pra
sentar, do meu lado uma garota senta e lê um romance. Trago dentro
da mochila o Clube da Luta, que estou terminando de reler. Sei que
não vou me concentrar pra ler no ônibus, toca um forró medonho.
Fico sentado ouvindo as músicas que escolho.
Minutos
depois desço na avenida antes do viaduto. Decido cortar caminho pra
casa de meu amigo por um parque. Entro e uns 20 passos depois começo
a pensar na má ideia que foi. O parque é escuro e começo a me
sentir num episódio de Millennium. Eu queria ser o Frank Black.
Todos nascemos com uma maldição. A dele era mais legal do que a
minha. O parque é escuro e tem muitos gatos e pessoas caminhando e
correndo e gente alimentando os gatos que são livres e tem fome e
tem doenças e feridas. Corto caminho, vou pra casa de meu amigo.
Fazia
umas 3 ou 4 semanas que não nos víamos. Sentamos no chão e
conversamos sobre a vida e sobre o nada que tudo é ao nosso redor e
que tudo realmente não importa nada, só continuar e se sentir o
melhor possível com você mesmo, e aceitar as coisas como elas são,
se entregar o máximo possível, e só viver. É só o que se pode
fazer. Conversamos sobre os problemas da cidade e dos perigos e da
coisa idiota que é ter medo de viver só para continuar vivo. Não
fumamos, conversamos por horas seguidas ouvindo música. Perto das 22
digo que tenho que ir. Meu amigo que dá de presente um livro, uma
coletânea de contos de vampiros. Eu fico feliz e agradeço.
Minutos depois me despeço e saio. Na avenida pego uma das bicicletas
verdes e venho pedalando pra casa ouvindo música.
O
bicicletar funciona assim; você com seu bilhete único pega uma bike
em algum ponto e tem até uma hora para devolver em qualquer outro
ponto da cidade. Você só encontra outro ponto que esteja livre pra
receber a bicicleta e deixa lá, pra outra pessoa pegar.
Entro
na Bezerra pedalando rápido e no primeiro ponto vejo que não existe
onde deixar a bike que peguei. Vou pro segundo, e pro terceiro, e pro
quarto e no quinto, perto do North Shopping paro, e lá estão
pessoas que querem deixar suas bicicletas. Não tem lugares vagos. Um
cara da manutenção fala que no ponto 43 tem 3 lugares vagos pra
deixar, e no 44 tem um lugar. Olho no mapa onde fica, na Jovita. Tiro
meu celular do bolso pra ver a hora e noto que o visor está
quebrado. Quebrou enquanto estava voltando da casa de meu amigo. Fico
pensando no prejuízo.
Subo
na verdinha e pego uma rua em frente ao shopping, e vou subindo,
literalmente a rua deserta. Pedalo devagar e não vejo ninguém na
rua escura. E quando estou quase perto da Jovita, noto o carro branco
se aproximando de mim e começando a me fechar. Quando olho pro lado
vejo o vidro aberto e de dentro a mão com a arma apontada pra mim. O
motorista me manda parar e passar o celular. Eu sempre fico nervoso
perto de uma arma. Não sei bem a razão. Então eu paro e tiro o
celular do bolso e entrego. O motorista ainda apontando a arma
pra mim manda eu passar a mochila. Aí eu fico triste. Penso nos
livros. No Clube da Luta que tava pertinho de terminar, no livro
sobre Vampiros que meu melhor amigo me presenteou. Falo pro ladrão
que não tem nada na mochila. Passa logo porra, vou te dar um pipoco
na cara e aí tu vai ver o que é, tá se fazendo é?! Ele pergunta.
E então, olhando pra arma, e por uma razão que até agora não sei,
entrego a mochila pro cara. Agora volta, volta. Ele manda. E eu finjo
que vou voltando o caminho até ver o carro sair e entrar em uma rua,
aí continuo pra chegar na avenida e tentar entregar a bicicleta.
Chego
na avenida lembrando da arma apontada pra minha cara, começo a me
perguntar por que mesmo entreguei a mochila sem deixar o cara me dar
um tiro, tinha meus livros lá, e só isso, e um deles era presente.
Vou pedalando e pensando no por que não deixei o cara dar um pipoco
na minha cara. Eu não tenho nada mesmo. Nem meus livros tenho mais.
Então começo a rir. Muito. Pedalo e dou risada.
Chego
ao ponto 44 que fica ao lado de uma igreja redonda. Nenhum lugar pra
deixar a bike. Vejo que na praça um bando de policiais andam. Vou
até eles perguntando se sabem onde existe outro ponto mais próximo.
Eles dizem que não, que só sabem de outro ponto na reitoria. Ah, só
pra constar, fui assaltado agora a pouco, algumas ruas pra baixo. E
conto pra eles o acontecido só pra desabafar. Eles me perguntam como
era o carro e eu só digo que era branco, não sei marca de
carro e vacilei em não olhar a placa. Fiquei olhando pra arma e
armas me deixam meio nervoso. Eles falam que eu devo fazer um BO.
Agradeço e saio atrás de outro ponto de bicicleta.
Perto
da regional tem um ponto, mas nenhum lugar vago pra deixar. Então
sei que só na reitoria mesmo, e depois só na praça da Gentilândia,
e depois não sei onde mais vou deixar essa bicicleta que peguei.
Vou
pedalando e minhas pernas não doem e vez ou outra começo a rir.
Na
reitoria encontro dois lugares vagos, deixo a bicicleta que peguei.
Volto andando pela rua, não tenho um centavo pra pegar um buso, tudo
tava na mochila. Começo a rir de novo pensando que o ladrão que
rouba armado dentro de um carro branco fez um mal negócio me
roubando. Um celular antigo com o visor manchado, uma mochila bem
velha se rasgando, dois livros novos que ele vai jogar fora,
provavelmente nem sabe ler! Remédios e quinquilharias, a única
coisa que vai valer pra ele é a carteira com 70 reais, que vai
ter que dividir com os outros 2 caras que estavam no carro.
Eles que se fodam. Eu já.
Volto
pensando nisso e encontro um moleque que tava lá no North Shopping
tentando deixar a bicicleta que pegou. Falo que no próximo ponto tem
um lugar pra ele deixar a dele. Conversamos um pouco sobre o lance
dos pontos e comento com ele que essa minha volta de bicicleta me
resultou num prejuízo. Começo a rir. Ele arregala os olhos e me
pergunta como voltarei pra casa. Digo que andando, não tenho
dinheiro algum. Ele pede que espere, que vai pagar minha passagem de
ônibus, e nisso sai pedalando velozmente. Minutos depois o vejo
voltando correndo pra me encontrar. Tem gente de todo tipo no mundo.
Gente que leva o que é seu, e gente que paga sua passagem porque
você não tem nenhum pra pagar.
Ficamos
conversando na parada esperando o buso, que demora muito. E quando chega, o cara paga
minha passagem e desço na Bezerra depois de agradecer. Chego em
casa. Minhas chaves ficaram na mochila. Toco a campainha e espero que
venham abrir. Demoram. Já passa das 23.
Vez
ou outra me vem aquela vontade de rir. E fico me perguntando porque
mesmo entreguei a mochila, meus livros estavam lá, a arma nem devia
estar carregada, e se estivesse, bom, se fosse na cabeça ou no
coração eu nem ia sentir muito. Foda seria se fosse no estômago.
Deve doer pra caralho.
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